Pierre
Lévy, na obra intitulada ‘Cibercultura,’ apresenta a sua posição face a este
conceito e ao modo como interfere na nossa vida.
Convenhamos
que uma obra imensa, dedicada a este tema, é já de si representativa da
importância que este “novo mundo” acarreta nos diferentes domínios da nossa
existência.
Para
começar, considerámos importante em termos de introdução, o autor comparar o
movimento de Rock dos anos de 50/60 aos que recusam a Cibercultura. (2º
dilúvio). Como tudo o que surge e abala as estruturas enraizadas, a emergência
deste novo mundo provocou desconfianças, traz consigo imensas vantagens, mas
também desvantagens. Dá vontade de escrever: ‘não há bela sem senão’.
Basta
recordarmos inovações noutros tempos, como por exemplo o surgimento da Televisão,
para compreendermos que a sociedade reage mal à inovação e que a forma como
esta inovação é utilizada é que define os aspetos melhores ou piores das
mesmas.
O próprio
autor, arranja como exemplo o do cineasta que conhece, perfeitamente arredado
e contra este mundo, quando o próprio cinema, na sua origem, lutou contra
preconceitos idênticos.
Refere-se
ao telefone como outro instrumento revolucionário e gerador de dinheiro,
logo, com grandes repercussões económicas, para concluir que não é a técnica em
si que deve estar em causa, mas, mais uma vez, a sua utilização, usando o
argumento interessante da ‘responsabilidade coletiva’. Essa
responsabilidade coletiva, é feita de responsabilidades individuais, que
unidas, representam esta consciência? Ou, esta responsabilidade coletiva não
passa da responsabilidade do “rebanho”, daqueles que seguem outros sem espírito
crítico? Seremos todos seguidistas?
Um dos
grandes chavões contra a cibercultura é a da exclusão. Começa por ser económica
(dificuldade de acesso aos meios técnicos), para passar a ser cultural:
uma decorre da outra.
Mas Lévy
clarifica conceitos. Define o ciberespaço (ou rede), como o meio que
permite as interconexões mundiais entre computadores, ou seja, dizemos nós,
como as enormes autoestradas em rede – de pessoas, informações e de meios.
Todos estes vetores fazem parte do conceito vasto de Ciberespaço de Lévy.
Já cibercultura
“especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de
práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem
juntamente com o crescimento do ciberespaço.” (Lévy, n.p.), ou seja, a uma
parte do comportamento humano, essencial para que o ciberespaço deixe de ser
constituído por meras autoestradas sem sentido, para passar a ser invadido por
autoestradas COM sentido. Somos nós, Seres Humanos, que conferimos
sentido à existência que nos circunda, como aliás, sempre fomos. Resta saber se
consideramos que os objetos existem fora de nós, ou seja, sem a nossa
existência…
Ao lermos
Lévy, não podemos separar a análise do texto do autor, da parte reflexiva e
crítica do mesmo. Assusta-nos a consciência que o autor já detinha em 1997
sobre estas temáticas, quando em 2020 ainda nos debatemos com as mesmas.
A técnica
evoluiu, mas será que a natureza humana e suas preocupações foram mais além?
Teremos encontrado respostas para as questões formuladas pelo autor? Se
levarmos em linha de conta a primeira atividade nesta unidade curricular, a
resposta é não. As dúvidas, preocupações surgidas com as vantagens
/desvantagens; inclusão Versus Exclusão, são idênticas e de 1997 para 2020
muito mudou no ciberespaço…será que mudou na cibercultura?
Lévy
divide a sua obra em três partes:
A primeira
parte incide nos aspetos tecnológicos e cuja análise rejeita a ideia de uma
tecnologia desprovida, fria, distante, quase como se fosse algo exterior à
construção humana concluindo que “ é impossível separar o humano de seu
ambiente material”, ou por outras palavras e parafraseando um amigo nosso, a
tecnologia torna-se numa extensão de nós. Rejeita desta forma a ideia de
existirem 3 realidades distintas-tecnologia, sociedade e cultura e no limite, a
serem consideradas independentes, só o poderiam ser no campo teórico. O determinismo
tecnológico, é igualmente recusado por Lévy, referindo-se o autor ao facto
de a sociedade estar condicionada pelas suas técnicas, nunca
determinada, o que em termos filosóficos, abre a porta ao livre arbítrio
(acrescentamos nós). Mas o fundamental de Lévy é a seguinte afirmação “Uma
técnica não é nem boa, nem má (isto depende dos contextos, dos usos e dos
pontos de vista), tampouco neutra (já que é condicionante ou restritiva, já que
de um lado abre e de outro fecha o espectro de possibilidades).” (Lévy, n.p.),
como nos parece evidente e recorrente ao longo da história.
A segunda,
explora as questões abrangentes que a cibercultura implica no ciberespaço.
A terceira,
aborda os aspetos negativos da cibercultura, os ataques, jogos de poder,
conflitos, exclusão etc.
Não
cabe neste comentário uma análise detalhada desta obra de Lévy mas sim o que
releva desta nossa breve análise, i.e., aquilo que consideramos estruturante no
conceito de cibercultura.
Na
segunda parte desta obra, o virtual “é o novo bezerro de ouro, o novo
ídolo de nossos tempos.” ( Lévy, n.p.), o que significa que apesar da virtualização,
o significado ou a significação atribuída, é efetivamente o virtual, tal
como o autor refere de modo claro no vídeo que aborda a virtualização. A
mensagem é simples- a abstração que efetuamos do virtual é o conceito
sobre… Para o autor
A palavra "virtual" pode ser entendida em
ao menos três sentidos: o primeiro, técnico, ligado à informática, um segundo
corrente e um terceiro filosófico. O fascínio suscitado pela "realidade
virtual" decorre em boa parte da confusão entre esses três sentidos.
Lévy
esclarece esta confusão e afirma que em termos filosóficos, falamos do ato e da potência exemplificando com a árvore (presente no grão); a utilização do senso
comum, refere-se à imaterialização de algo; já o sentido técnico, neste
comentário é o que menos nos interessa.
Outro conceito interessante abordado pelo
autor, é o da inteligência coletiva. Aliás, é o próprio que afirma ser
este um conceito criado por si e que foi sofrendo apropriações ao longo do
tempo. Inteligência coletiva é um projeto e um conceito criado por Lévy e que
parte da consciência que se impõe quando se coloca a questão: o que fazer com
estas novas ferramentas? Responde Lévy- vamos fazer a inteligência coletiva.
(vídeo). Na sua obra Ciberespaço e para chegar a este conceito, Lévy refere-se
a 3 etapas na nossa História.
A
primeira, em que as culturas estavam fechadas sobre si mesmas numa
cultura oral (obviamente e na nossa ótica pouco fiável e nem sempre duradoura
no tempo) e a que o autor apelida de ‘uma totalidade sem Universal’;
A
segunda, relativa à escrita e que denomina de sociedades
imperialistas, civilizadas, com uma ‘universalidade totalizante’ pois
pela escrita cria-se a tal memória social;
A terceira etapa, corresponde à da Cibercultura
que sendo universal, não é totalizante. O que Lévy quer sublinhar
é que a cibercultura permite a formação de comunidades mundiais, mas nunca
totalizantes pois trouxe ao de cima a conflitualidade/ desigualdade. Nunca
poderia ser, pelo exposto, totalizante.
O desafio colocado inicialmente “No dilúvio informativo que ameaça fazer desaparecer a
sociedade contemporânea, estará reservada à responsabilidade individual,
nascida da nossa liberdade enquanto cidadãos, o papel da nova Arca de Noé? Será
que a responsabilidade individual ou a grupal possibilitarão a filtragem
preservadora daquilo que constitui o património cultural essencial da sociedade
humana?” a resposta é sim. Para Lévy.
Ele acredita numa inteligência
coletiva e nas sucessivas ‘micrototalidades
dinâmicas’ que se constroem e destroem.
Na
verdade, a história da Humanidade, é num certo sentido a tentativa de
preservação desta memória comum, desta universalidade de valores. Sim, porque é
também de valores que ‘falamos’.
A grande
vantagem da Cibercultura é que a sua universalidade é alicerçada numa certa
continuidade da tradição desta memória coletiva realizada através do clero e
das Universidades. Lévy vai beber a sua influência ao iluminismo e arriscamos
até em afirmar que a sua postura positiva face a este “novo mundo” radica nesta
influência.
Em suma, o
ciberespaço “só encadeia no tempo por acréscimo. Sua principal operação é a de
conectar no espaço, de construir e de estender os rizomas do sentido” (Lévy, n.p.)
Mas se a
cibercultura abre um novo leque de possibilidades positivas, abre outras tantas
preocupações. Podemos afirmar que de um lado temos o Yin e do outro o Yang, i.e., as habituais dualidades. Temos em mãos uma
caixa de pandora…
O que nos parece interessante é que se espera que o ciberespaço e a
cibercultura resolvam questões insanáveis como se de repente tivéssemos
descoberto a solução para os grandes males da humanidade, como se as enormes
assimetrias entre o Norte e o Sul, a miséria, as guerras, a corrupção, fossem
obrigatoriamente resolvidas.
O autor reconhece que ‘Cada novo sistema de comunicação fabrica seus excluídos. Não havia iletrados antes da invenção da escrita?” (n.p) e porque haveria " agora" de ser diferente, interrogamos nós?
Espera-se deste “Universo” respostas que o mesmo não pode dar? E que
nenhum sistema forneceu?
Reconhece
o autor que “A cibercultura surge como a solução parcial para os problemas da
época anterior, mas constitui em si mesma um imenso campo de problemas e de
conflitos para os quais nenhuma perspectiva de solução global já pode ser
traçada claramente. As relações com o saber, o trabalho, o emprego, a moeda, a
democracia e o Estado devem ser reinventadas, para citar apenas algumas das
formas sociais mais brutalmente atingidas”. (Lévy, n.p.) Em relação a esta
temática, veja-se por exemplo como o espaço pessoal foi invadido pelo laboral;
como a educação e o saber em linhas gerais tem vindo a sofrer alterações, como
as democracias emergem, se alimentam e retroalimentam neste sistema, como o
mundo laboral se tem alterado e a economia se tem alicerçado nesta Universalidade
construída.
Não faria
sentido num comentário desta natureza não abordarmos a questão da educação,
seja no seu aspeto formal, seja no informal. Se na educação formal o
ciberespaço abriu imensas possibilidades como o ensino a distância, a verdade é
que a sua importância é cada vez maior no que à educação informal diz respeito.
A visão de
Lévy é a de que o fosso entre ensino presencial e a distância seria cada vez
menor pois “o uso das redes de telecomunicação e dos suportes multimídia
interativos vem sendo progressivamente integrado às formas mais clássicas de
ensino. A aprendizagem a distância foi durante muito tempo o "estepe"
do ensino; em breve irá tornar-se, senão a norma, ao menos a ponta de lança.”
Esta
posição de Lévy começa a realizar-se…mas ainda de modo incipiente.
Esperava-se que na atualidade a
pandemia tivesse aberto os espíritos com o ensino remoto e a partir desta
experiência de emergência se vislumbrasse no horizonte alterações
significativas e significantes. Tal não aconteceu, mas estamos cada vez mais
perto.
Lévy
defende a aprendizagem cooperativa mediada pelo computador como precursora da
inteligência coletiva. E percebe-se porquê. A partilha de materiais em bancos
de dados e a aprendizagem conjunta de professores (alteração do seu papel) e
alunos, potencia a construção deste tipo de inteligência. Há um descentramento
do papel clássico do professor e da postura do aluno.
Para o
autor, mais importante do que a questão do presencial ou a distância “É a
transição de uma educação e uma formação estritamente institucionalizadas (a
escola, a universidade) para uma situação de troca generalizada dos saberes, o
ensino da sociedade por ela mesma, de reconhecimento autogerenciado, móvel e
contextual das competências”. (Lévy, n.p.). A cibercultura alimenta-se destas
interações e a noção de uma aprendizagem contextualizada num determinado tempo
e espaço, dilui-se, surgindo a necessidade de uma aprendizagem ao longo da
vida, a par da desconstrução das profissões para a vida que desaparecem aos
poucos do imaginário e prática coletiva.
Tendo em
conta que a cibercultura faz emergir novas formas de aquisição de saberes, é
fundamental que a par deste novo sistema de formação, exista igualmente um novo
sistema de acreditação. No fundo, o ciberespaço e a cibercultura trouxeram
consigo alterações significativas na noção estabilizada de educação/formação.
Para terminar, podemos almejar que a
cibercultura resolva os problemas da natureza humana?
Consideramos que não. Mas é
exatamente nessa raiz que reside a esperança da Humanidade. Num vídeo onde
reflete sobre estes temas, afirma Lévy “É como se quiséssemos dizer que o espírito só existe
depois dos computadores”.
Muito
teríamos ainda para analisar em Lévy, mas somos obrigados a parar. Temos
consciência que o entusiamo se apoderou de nós.
O que se
pretendeu foi fornecer um olhar/ visão, como se de um drone se tratasse e despertar a
vontade de quem lê ( e a nossa), de continuar a explorar esta temática.
Etiquetas: #mPeL(ESR) 2020, O Fenómeno da Cibercultura