quarta-feira, 18 de novembro de 2020

 



Pierre Lévy, na obra intitulada ‘Cibercultura,’ apresenta a sua posição face a este conceito e ao modo como interfere na nossa vida.

Convenhamos que uma obra imensa, dedicada a este tema, é já de si representativa da importância que este “novo mundo” acarreta nos diferentes domínios da nossa existência.

Para começar, considerámos importante em termos de introdução, o autor comparar o movimento de Rock dos anos de 50/60 aos que recusam a Cibercultura. (2º dilúvio). Como tudo o que surge e abala as estruturas enraizadas, a emergência deste novo mundo provocou desconfianças, traz consigo imensas vantagens, mas também desvantagens. Dá vontade de escrever: ‘não há bela sem senão’.

Basta recordarmos inovações noutros tempos, como por exemplo o surgimento da Televisão, para compreendermos que a sociedade reage mal à inovação e que a forma como esta inovação é utilizada é que define os aspetos melhores ou piores das mesmas.

O próprio autor, arranja como exemplo o do cineasta que conhece, perfeitamente arredado e contra este mundo, quando o próprio cinema, na sua origem, lutou contra preconceitos idênticos.

Refere-se ao telefone como outro instrumento revolucionário e gerador de dinheiro, logo, com grandes repercussões económicas, para concluir que não é a técnica em si que deve estar em causa, mas, mais uma vez, a sua utilização, usando o argumento interessante da ‘responsabilidade coletiva’. Essa responsabilidade coletiva, é feita de responsabilidades individuais, que unidas, representam esta consciência? Ou, esta responsabilidade coletiva não passa da responsabilidade do “rebanho”, daqueles que seguem outros sem espírito crítico? Seremos todos seguidistas?

Um dos grandes chavões contra a cibercultura é a da exclusão. Começa por ser económica (dificuldade de acesso aos meios técnicos), para passar a ser cultural: uma decorre da outra.

Mas Lévy clarifica conceitos. Define o ciberespaço (ou rede), como o meio que permite as interconexões mundiais entre computadores, ou seja, dizemos nós, como as enormes autoestradas em rede – de pessoas, informações e de meios. Todos estes vetores fazem parte do conceito vasto de Ciberespaço de Lévy.

cibercultura “especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço.” (Lévy, n.p.), ou seja, a uma parte do comportamento humano, essencial para que o ciberespaço deixe de ser constituído por meras autoestradas sem sentido, para passar a ser invadido por autoestradas COM sentido. Somos nós, Seres Humanos, que conferimos sentido à existência que nos circunda, como aliás, sempre fomos. Resta saber se consideramos que os objetos existem fora de nós, ou seja, sem a nossa existência…

Ao lermos Lévy, não podemos separar a análise do texto do autor, da parte reflexiva e crítica do mesmo. Assusta-nos a consciência que o autor já detinha em 1997 sobre estas temáticas, quando em 2020 ainda nos debatemos com as mesmas.

A técnica evoluiu, mas será que a natureza humana e suas preocupações foram mais além? Teremos encontrado respostas para as questões formuladas pelo autor? Se levarmos em linha de conta a primeira atividade nesta unidade curricular, a resposta é não. As dúvidas, preocupações surgidas com as vantagens /desvantagens; inclusão Versus Exclusão, são idênticas e de 1997 para 2020 muito mudou no ciberespaço…será que mudou na cibercultura?

Lévy divide a sua obra em três partes:

A primeira parte incide nos aspetos tecnológicos e cuja análise rejeita a ideia de uma tecnologia desprovida, fria, distante, quase como se fosse algo exterior à construção humana concluindo que “ é impossível separar o humano de seu ambiente material”, ou por outras palavras e parafraseando um amigo nosso, a tecnologia torna-se numa extensão de nós. Rejeita desta forma a ideia de existirem 3 realidades distintas-tecnologia, sociedade e cultura e no limite, a serem consideradas independentes, só o poderiam ser  no campo teórico. O determinismo tecnológico, é igualmente recusado por Lévy, referindo-se o autor ao facto de a sociedade estar condicionada pelas suas técnicas, nunca determinada, o que em termos filosóficos, abre a porta ao livre arbítrio (acrescentamos nós). Mas o fundamental de Lévy é a seguinte afirmação “Uma técnica não é nem boa, nem má (isto depende dos contextos, dos usos e dos pontos de vista), tampouco neutra (já que é condicionante ou restritiva, já que de um lado abre e de outro fecha o espectro de possibilidades).” (Lévy, n.p.), como nos parece evidente e recorrente ao longo da história.

A segunda, explora as questões abrangentes que a cibercultura implica no ciberespaço.

A terceira, aborda os aspetos negativos da cibercultura, os ataques, jogos de poder, conflitos, exclusão etc.

Não cabe neste comentário uma análise detalhada desta obra de Lévy mas sim o que releva desta nossa breve análise, i.e., aquilo que consideramos estruturante no conceito de cibercultura.

Na segunda parte desta obra, o virtual “é o novo bezerro de ouro, o novo ídolo de nossos tempos.” ( Lévy, n.p.), o que significa que apesar da virtualização, o significado ou a significação atribuída, é efetivamente o virtual, tal como o autor refere de modo claro no vídeo que aborda a virtualização. A mensagem é simples- a abstração que efetuamos do virtual é o conceito sobre… Para o autor

A palavra "virtual" pode ser entendida em ao menos três sentidos: o primeiro, técnico, ligado à informática, um segundo corrente e um terceiro filosófico. O fascínio suscitado pela "realidade virtual" decorre em boa parte da confusão entre esses três sentidos.

 

 

Lévy esclarece esta confusão e afirma que em termos filosóficos, falamos do ato e da potência exemplificando com a árvore (presente no grão); a utilização do senso comum, refere-se à imaterialização de algo; já o sentido técnico, neste comentário é o que menos nos interessa.

Outro conceito interessante abordado pelo autor, é o da inteligência coletiva. Aliás, é o próprio que afirma ser este um conceito criado por si e que foi sofrendo apropriações ao longo do tempo. Inteligência coletiva é um projeto e um conceito criado por Lévy e que parte da consciência que se impõe quando se coloca a questão: o que fazer com estas novas ferramentas? Responde Lévy- vamos fazer a inteligência coletiva. (vídeo). Na sua obra Ciberespaço e para chegar a este conceito, Lévy refere-se a 3 etapas na nossa História.

A primeira, em que as culturas estavam fechadas sobre si mesmas numa cultura oral (obviamente e na nossa ótica pouco fiável e nem sempre duradoura no tempo) e a que o autor apelida de ‘uma totalidade sem Universal’;

A segunda, relativa à escrita e que denomina de sociedades imperialistas, civilizadas, com uma ‘universalidade totalizante’ pois pela escrita cria-se a tal memória social;

A terceira etapa, corresponde à da Cibercultura que sendo universal, não é totalizante. O que Lévy quer sublinhar é que a cibercultura permite a formação de comunidades mundiais, mas nunca totalizantes pois trouxe ao de cima a conflitualidade/ desigualdade. Nunca poderia ser, pelo exposto, totalizante.

         O desafio colocado inicialmente “No dilúvio informativo que ameaça fazer desaparecer a sociedade contemporânea, estará reservada à responsabilidade individual, nascida da nossa liberdade enquanto cidadãos, o papel da nova Arca de Noé? Será que a responsabilidade individual ou a grupal possibilitarão a filtragem preservadora daquilo que constitui o património cultural essencial da sociedade humana?” a resposta é sim. Para Lévy.

Ele acredita numa inteligência coletiva e nas sucessivas ‘micrototalidades dinâmicas’ que se constroem e destroem.

Na verdade, a história da Humanidade, é num certo sentido a tentativa de preservação desta memória comum, desta universalidade de valores. Sim, porque é também de valores que ‘falamos’.

A grande vantagem da Cibercultura é que a sua universalidade é alicerçada numa certa continuidade da tradição desta memória coletiva realizada através do clero e das Universidades. Lévy vai beber a sua influência ao iluminismo e arriscamos até em afirmar que a sua postura positiva face a este “novo mundo” radica nesta influência.

Em suma, o ciberespaço “só encadeia no tempo por acréscimo. Sua principal operação é a de conectar no espaço, de construir e de estender os rizomas do sentido” (Lévy, n.p.)

Mas se a cibercultura abre um novo leque de possibilidades positivas, abre outras tantas preocupações. Podemos afirmar que de um lado temos o Yin e do outro o Yang, i.e., as habituais dualidades. Temos em mãos uma caixa de pandora…

O que nos parece interessante é que se espera que o ciberespaço e a cibercultura resolvam questões insanáveis como se de repente tivéssemos descoberto a solução para os grandes males da humanidade, como se as enormes assimetrias entre o Norte e o Sul, a miséria, as guerras, a corrupção, fossem obrigatoriamente resolvidas.

O autor reconhece que ‘Cada novo sistema de comunicação fabrica seus excluídos. Não havia iletrados antes da invenção da escrita?” (n.p) e porque haveria " agora" de ser diferente, interrogamos nós?

Espera-se deste “Universo” respostas que o mesmo não pode dar? E que nenhum sistema forneceu?

Reconhece o autor que “A cibercultura surge como a solução parcial para os problemas da época anterior, mas constitui em si mesma um imenso campo de problemas e de conflitos para os quais nenhuma perspectiva de solução global já pode ser traçada claramente. As relações com o saber, o trabalho, o emprego, a moeda, a democracia e o Estado devem ser reinventadas, para citar apenas algumas das formas sociais mais brutalmente atingidas”. (Lévy, n.p.) Em relação a esta temática, veja-se por exemplo como o espaço pessoal foi invadido pelo laboral; como a educação e o saber em linhas gerais tem vindo a sofrer alterações, como as democracias emergem, se alimentam e retroalimentam neste sistema, como o mundo laboral se tem alterado e a economia se tem alicerçado nesta Universalidade construída.

Não faria sentido num comentário desta natureza não abordarmos a questão da educação, seja no seu aspeto formal, seja no informal. Se na educação formal o ciberespaço abriu imensas possibilidades como o ensino a distância, a verdade é que a sua importância é cada vez maior no que à educação informal diz respeito.

A visão de Lévy é a de que o fosso entre ensino presencial e a distância seria cada vez menor pois “o uso das redes de telecomunicação e dos suportes multimídia interativos vem sendo progressivamente integrado às formas mais clássicas de ensino. A aprendizagem a distância foi durante muito tempo o "estepe" do ensino; em breve irá tornar-se, senão a norma, ao menos a ponta de lança.”

Esta posição de Lévy começa a realizar-se…mas ainda de modo incipiente.

Esperava-se que na atualidade a pandemia tivesse aberto os espíritos com o ensino remoto e a partir desta experiência de emergência se vislumbrasse no horizonte alterações significativas e significantes. Tal não aconteceu, mas estamos cada vez mais perto.

Lévy defende a aprendizagem cooperativa mediada pelo computador como precursora da inteligência coletiva. E percebe-se porquê. A partilha de materiais em bancos de dados e a aprendizagem conjunta de professores (alteração do seu papel) e alunos, potencia a construção deste tipo de inteligência. Há um descentramento do papel clássico do professor e da postura do aluno.

Para o autor, mais importante do que a questão do presencial ou a distância “É a transição de uma educação e uma formação estritamente institucionalizadas (a escola, a universidade) para uma situação de troca generalizada dos saberes, o ensino da sociedade por ela mesma, de reconhecimento autogerenciado, móvel e contextual das competências”. (Lévy, n.p.). A cibercultura alimenta-se destas interações e a noção de uma aprendizagem contextualizada num determinado tempo e espaço, dilui-se, surgindo a necessidade de uma aprendizagem ao longo da vida, a par da desconstrução das profissões para a vida que desaparecem aos poucos do imaginário e prática coletiva.

Tendo em conta que a cibercultura faz emergir novas formas de aquisição de saberes, é fundamental que a par deste novo sistema de formação, exista igualmente um novo sistema de acreditação. No fundo, o ciberespaço e a cibercultura trouxeram consigo alterações significativas na noção estabilizada de educação/formação.

            Para terminar, podemos almejar que a cibercultura resolva os problemas da natureza humana?

            Consideramos que não. Mas é exatamente nessa raiz que reside a esperança da Humanidade. Num vídeo onde reflete sobre estes temas, afirma Lévy “É como se quiséssemos dizer que o espírito só existe depois dos computadores”.

            Muito teríamos ainda para analisar em Lévy, mas somos obrigados a parar. Temos consciência que o entusiamo se apoderou de nós.

O que se pretendeu foi fornecer um olhar/ visão, como se de um drone se tratasse e despertar a vontade de quem lê ( e a nossa), de continuar a explorar esta temática.

 


Cibercultura


O que é o virtual- Lévy


Inteligência Coletiva

 

 

 

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